Yasmin Bidim vive na cidade de São Carlos, interior de São Paulo. Tem formação em cinema e é doutoranda em Estudos de Literatura pela UFSCar. Trabalha como pesquisadora e educadora de arte e cultura, artista multimídia e produtora cultural. Produz o canal Poesia em Obra, no YouTube, no qual divulga seus poemas visuais e também o blog A Terra é Plena. Em 2020 lançou pela editora Penalux seu primeiro livro de poemas, o Livro dos Interiores.
o que vemos, o que nos olha
com Georges Didi-Huberman
I
“mas a modalidade do visível torna-se inelutável –
ou seja, votada de uma questão do ser – quando
ver é sentir que algo inelutavelmente nos escapa,
isto é: quando ver é perder”
O que vemos, o que nos olha
espero, e enquanto,
toco a porção de mundo que a mim me toca
leio as palavras que
à minha vista chegam
e vejo as imagens
que os olhos míopes alcançam
ajo e
reajo
sobre as coisas
que me atravessam
mas como coisa privilegiada que sou
(imagem projetada de mim mesma)
eu vejo, na matéria luminosa,
sempre menos
sempre só aquilo
que uma consciência em crise deseja
permanentemente humana,
procuro na coisa sempre o espelho
sempre o olho que me olha
alheia ao óbvio:
que a coisa — pobre coisa! —
nunca jamais me olha
II
“… coisas a ver de longe e a tocar de perto, coisas
que se quer ou não se pode acariciar. Obstáculos,
mas também coisas de onde sair e de onde entrar”
O que vemos, o que nos olha
verde vista ponto
balançam vasos
ventam folhas
coincidências físicas
plásticas
acústicas
o que vemos
contra o que nos olha
ocorrências fantásticas
problema ótico
um é verde
outro é verdade
um é mato
outro é metade
através do vidro
uma falsa imagem
o olho fixo
na paisagem acrílica
não é mato
mas mata
aquele é feito pela metade
III
“Como mostrar um vazio?”
O que vemos, o que nos olha
daqui da janela
eu vejo o vaso
que atravessa a vidraça (força acrílica)
as plantas ao redor
o reflexo verde no vidro (experiência metafísica)
a planta que grita
e gira no vento (manifestação onírica)
daqui da janela
o vaso envolto em grama
posa pausado
como um retrato de planta
de mato
que vaza pelas bordas
e escora a parede fria
rachada cerâmica do vaso
que eu vejo
e que vazio
me olha de volta
vidrada
igualmente esvaziada
aqui na janela
Foto de Leopoldo Cavalcante.